De acordo com a bibliografia enviada e outras que vocês possam conhecer ao respeito. Que representações sócias hoje você acreditra que devam ser transformadas e que minorias ativas deveriam assumir este processo?
Quando leio os textos de representação social de Efrem e de Mauricio, ou mesmo quando , durante os cursos de educadores pares tocamos neste tema, sempre tenho a sensação de que reforçamos o que somos e a necessidade de nossa existência como profissionais e como lideres de Ongs, como salvadores de algo que deve ser salvo.
Tenho visto que não necessariamente o que eu digo fazer ,é aquilo que faço. Será que a primeira representação social que deve ser revista e aquela de só quem detém o saber e o poder , quem estudou nos livros e não na vida tem o poder de transformar. Me pergunto: Realmente estamos fortalecendo processos para que as minorias ativas consigam transformar ou re significar as representações sejam elas cognitivas e sociais que se tem delas. Se isso ocorrer. O que faremos nós? Será que não estamos somente humildemente e disfarcadamente nos colocando como salvadores da pátria.
Bom, por que no Curso de formadores não temos formadores pertencentes aquelas que dizemos ser minorias ativas.
Bom, talvez essa seja a representação que acho que tenha que mudar. Para isso temos que iniciar a provocar, a fazer que as coisas se movam, a dar nomes , a dar espaços .
Em todo o caso quando penso como devemos fazer isso lembro de amigos como Auro Lescher que atua com os meninos que vivem na rua dando a eles o nome de REFUGIADOS URBANOS.
Diz Auro: ..." Quando instigados a revelar qualquer dado que remeta à sua comunidade de origem, suas raízes, seus costumes, eles ocupam um lugar de estranhamento, são radicalmente estrangeiros quanto mais tentamos lhes lembrar e oferecer o que lhes é familiar. Apesar disto, com o graffiti, o rap ou outras intensidades ético-estéticas, nota-se o anseio por um encontro que possa abrigar, afetivamente, a sua intimidade de forma incondicional. Este ato de memória que afeta a alma pode ser melhor traduzido pela palavra grega nostalgia. Não é um desejo planejado, atualizado e datado que desenha este lar ao qual se almeja retornar. É um fragmento de memória carregada da emoção vivida no passado e que subitamente se revela, em contraposição àquela memória ligada à dura realidade da privação, que custa muito a passar. Quando não há a possibilidade de nostalgia busca-se a aceleração do tempo através da droga. Este desejo de retorno aponta para uma imagem da sua casa, dos seus brinquedos, da sua família que não está no concreto, no real, mas que de certa forma reside na sua interioridade. Essas crianças e adolescentes merecem o estatuto humanitário de “Refugiados Urbanos”, seja pela condição ontológica de estranheza perante uma sociedade que já lhe foi mais familiar, seja pelo fato de estarem distantes dos mecanismos sociais de inclusão dentro de sua própria pátria.O que se explicita a partir da atitude de ruptura destes jovens com as suas comunidades de origem e com a sociedade em geral é um processo paradoxal de serem estrangeiros dentro de sua própria pátria, com seus códigos, ritos e circuitos de sociabilidade construídos na rua O fato que se impôs para que este conceito fosse vislumbrado pela primeira vez neste multifacetado espaço da cidade foi o de encontrar jovens aprisionados na “bolha psíquica” da cola e na fumaça desalmada do “crack”, meninos e meninas que dormem nas ruas e que desfilam de forma anestesiada. Seres vagando impessoalmente e em total invisibilidade para si mesmos, não possuem mais uma memória atuante que ofereça alguma noção de pertencimento.No caso destes jovens, é a imagem do esquecimento absoluto, é a morte desfilando na vida através das suas roupas carcomidas pela aridez do asfalto e pelo anestesiamento geral da população que circula naquele espaço. Crianças e adolescentes que dormem porque o futuro, por enquanto, não existe mais como possibilidade.Esta condição de abandono absoluto e de privação de dignidade justifica um acolhimento que não tenha como principal objetivo o encaminhamento imediato, ansioso, destes jovens para a família ou para uma clínica de Recuperação, mas o de oferecer uma escuta radical de hospitalidade que privilegie a superfície do encontro: os cuidados objetivos com o próprio corpo e com a própria história que podem subitamente se revelar e serem compartilhadas. O que mais esses jovens necessitam, num primeiro momento, é uma espécie de hospitalidade incondicional. Para isso, é necessário vê-los sem urgências doutrinárias e ”salvadoras do rebanho”. Devemos sentir os seus cheiros, escutar suas histórias, se interessar por seus costumes e suas gírias, enfim, poder suportar as suas provocações e a força abissal que nos assalta, como tristeza e impotência, quando comparamos a criança que fomos com a criança que nos fala. O vínculo que vai se formando é a legitimação da ajuda. O desejo de ter acesso à saúde, à educação, à cultura vai aparecendo através de toda aquela cor cinza. O silêncio é bruto, o sorriso belo. Todo mundo tem fome de dignidade. Qual é o exilado que não deseja retornar à sua pátria? Temos todos uma grande dívida com essa pequena gente. Merecemos a revitalização do centro, nos seus dois sentidos. A reforma da exterioridade – do centro da cidade – e a outra, não menos trabalhosa, a reforma da interioridade, do centro de nós mesmos. Uma nova arquitetura nas ações sociais que aumente, de fato, as propensões de mudança nos espaços internos de cada cidadão, que possamos novamente nos espantar, simplesmente por conseguirmos olhar o bizarro no bizarro e a criança na criança..."
Além de Auro , adoro Nery, que com sua tranqüilidade baiana, nos faz pensar na criatura e no criador, na lagartixa e no crocodilo e nos propõe um consultório de rua
..."tínhamos constituído uma experiência que eu chamei nesse momento “banco de rua”, por que banco de rua? Porque nós nos sentávamos e vivíamos as vicissitudes que o banco da rua nos impõe. Terapeutas fora de seu setting, são frágeis. Os terapeutas em geral precisam de quatro paredes, de uma secretaria, de dois ou três vigilantes para que ele possa suportar o trabalho com seus clientes, tirem a mesa, as paredes, a secretaria e tirem os vigilantes, e vocês vão ver que muitos terapeutas serão tratados. Então nós nos destituímos desse aparato e nos colocamos em um banco e vimos passar, diante de nos, todas as questões que vocês tem vivido em vários lugares, meninos cheirando cola, mais supervisionando esses meninos, organizações extremamente formais, de mais velhos e mais novos na busca da manutenção para a vida e uma das coisas que nós reconhecemos em aquela experiência é de que o que nós víamos não era exatamente o que acontecia, e nós vimos o que é observar, aproximar, e compreender. Nós aprendemos por exemplo, hoje é banal, mas naquela época não era, que nós temos duas categorias de meninos e meninas, os de rua e os na rua, os de rua são aqueles que se apropriaram do espaço publico e transformaram esse espaço de publico a um espaço privado. Os na rua que era grande maioria de meninos que não estavam ali nem para usar droga nem para burrice, e sim para ter aproximadamente o 30 por cento da renda do lar, e assim sair da miséria absoluta para a miséria. Aprendemos que aqueles meninos passavam pela rua e que os meninos e meninas de rua, que eram os excluídos porque os meninos na rua eram excluídos por nós, mas eles não experimentavam a verdadeira exclusão se não na exclusão constituída pelos que não compreendiam o fenômeno. No momento que eu fecho meu carro, no momento que eu confundo de rua com na rua, no momento em que eu compreendo que aquilo é um ato de vida, eu passo a uma exclusão, uma exclusão imaginaria sim, mas uma exclusão imaginaria real porque ao excluir no meu imaginário a esses meninos e meninas, eu produzo uma exclusão no real desses meninos e meninas. E os de rua não se excluem de qualquer modo e essa é uma outra questão, dizer que os meninos e meninas de rua são excluídos é preciso esclarecer de que exclusão estou falando, porque eu aprendi nas experiências do banco de rua que mais tarde se constitui no consultório de rua que esses meninos e meninas diante da miséria, da violência, do espaço exclusivo eles faziam uma escolha pela rua em lugar da morte domiciliar.
Posso falar de exclusão quando alguém decide sair, se retirar de um espaço de miséria para um espaço de possibilidade e de vida?. Posso falar de exclusão quando converso com um menino que me diz, “este é meu lugar”?. Alias um rapazinho de doce anos me diz uma vez: “veja onde eu moro, moro em um hotel com muitas estrelas”. E eu pergunto como assim?. “Olha para a cima” e quando eu olhei ele dormia em um buraco sobre a luz das estrelas. Eu entendo a provação, o melhor hotel que eu já dormi na vida tem 5 estrelas e o dele tinha muito mais estrelas do que o meu. O que eu estou querendo dizer aqui é que quando nos falamos do exclusão, a pesar de a gente pensar que sabemos o que estamos falando, o que estamos é aproximando a uma idéia e devemos pensar de que exclusão estou falando. Posso chamar efetivamente de exclusão quando alguém faz uma opção pela vida e não uma opção pela morte e a tirania domiciliar?. Posso sim falar de exclusão si este menino ou menina que escolheram a rua como lugar de vida e circunstancialmente até da morte, eles foram excluídos da geografia das possibilidades, aí é outra coisa..."
Brilhantemente Nery expõe... " quando a gente vai falar da relação de uma substancia com um ser humano, nós precisamos definir que ser humano é esse, porque a substancia é mais fácil, ela estimula, deprime o enlouquece e os humanos tem diversas possibilidades de estabelecer relações com cada uma de essas substancias por tanto, nós não podemos pura e simplesmente no campo do trabalho com as substancias psicoativas, pensar em uma cosa só. Por essa razão, eu desenvolvi uma conversa com pais para re significar um pouco tudo isso que eu disse aqui que consiste no seguinte: quando um pai me procura e me diz, meu filho usa drogas, eu pergunto quem é seu filho?, e em geral, eles respondem: meu filho é Marcelo, e eu pergunto quem é Marcelo e eles respondem, meu filho, e aí pergunto de novo, quem é seu filho e isso cria uma certa dificuldade na nossa conversa porque muitas famílias, muita gente percebe rapidamente que não sabe quem é Marcelo, sabe só que é Marcelo. Nessa circunstancias eu mando de volta para casa, o pai, mãe, tio, tia, avo, não importa, e peço para eles voltarem me ver quando souberem dizer quem é Marcelo. Algum tempo depois volta a mãe e me diz: Dr Nery, eu sei quem é Marcelo, meu filho, estuda, é carinhoso, tem namorada, ele tem amigos, ele usa maconha, mas ele é uma serie de condições e circunstancias. Quando eu consigo pegar o discurso que me há trazido e coloco na parede que aquilo que no discurso parece com uma lagartixa, lagartixa todos devem conhecer, é um réptil, que veio da áfrica, se adaptou nas casas humanas, mas a lagartixa é pequena, tem ventosas que consegue andar em parece até de cabeça para baixo. As lagartixas são geralmente medrosas, ariscas, e tem uns olhos com membranas que fecham para eles não ficarem cegos. Quando eu pego o discurso de cada família e coloco uma lagartixa, eu falo: olhe, seu filho é um lagartixa, uma lagartixa que cheira cocaína, ela pode pensar que é um crocodilo, mas continua sendo uma lagartixa, e o que eu faço com a lagartixa? Se eu cuidar de uma lagartixa como cuidaria de um crocodilo, e o que é que é um crocodilo? Um grande réptil, com os dentes cruzados, deste tamanho a boca, uma calda imensa, eles tem mais ou menos 7 metros de comprimento, para se aproximar de um crocodilo precisa cautela, cuidado, atenção, rede, vara, precisa de muita coisa. Quando uma família me descreve um filho que parece um crocodilo, morde, rouba, ataque, não ouve, agride, não quer saber de mais nada, eu digo à família aqui está um crocodilo. Um crocodilo pode pensar que é uma lagartixa, pode, mas sempre será um crocodilo e eu aconselho vocês que se o crocodilo disser que é uma lagartixa, não se aproxime. Se aproxime com cuidado porque ele pode passar o efeito do produto que o transformaria imaginariamente numa lagartixa e pega vocês. Mas o que eu estou querendo dizer e foi esse o sentido da provocação da Raquel é que nós não podemos considerar nossos filhos ou filhas como uma coisa ou como outra, as pessoas não precisam das drogas nem de nossas intervenções do mesmo modo, nos precisamos reconhecer quem está diante de nós. Se uma lagartixa, imaginariamente travestida de crocodilo, ou um crocodilo bravo, e enlouquecido pelo uso da substancia porque ele é um crocodilo traído, é um crocodilo que vaziaram sua lagoa, ele é um crocodilo que não consegue dormir bem, ele é um crocodilo que a mãe o abandonou, ele é o crocodilo que não sabe quem é o pai ou sei lá, um crocodilo desses desesperado pela vida, e que usa uma substancia que o torna mais poderoso ainda e que se chegar perto, ele te vai devorar. È preciso saber como se aproximar de um crocodilo sim, é preciso falar de longe: crocodilo, crocodilo meu. É preciso você chegar ao crocodilo. Do mesmo modo você não pode chegar a uma lagartixa, com um dispositivo de um martelo hidráulico, internar uma lagartixa sem ela saber por que, prescrever gotas para uma lagartixa que fumou maconha há seis meses atrás, colocar numa comunidade terapêutica durante 9 meses uma lagartixa que por imitação a outras lagartixas fumou maconha, colocar uma lagartixa num sanatório utilizando medicamentos psicotrópicos ao lado de pessoas que tem graves transtornos mentais, expulsar uma lagartixa da escola porque está tentando se transformar numa lagartixa adulta. Uma lagartixa não será nunca, eu lês asseguro, um crocodilo, mas há lagartixa que tentam se transformar em lagartixas adultas, ou o que é pior, as lagartixas que passam para a vida adulta e se reconhecem lagartixas adultas, perdendo todas as vantagens que tinham quando eram lagartixas infantis. Nesse momento a lagartixa se irrita, se contrapõe, e ela pode até usar substancias psicoativas, mas não podemos tratar essas lagartixas nessas condições como se fossem um crocodilo, eu tenho que tratar como lagartixas, uma lagartixa em transformação, uma lagartixa que passa da vida infantil para a vida adulta, eu não posso matar minha lagartixa, com a hospitalização..."
E entre refugiados, Lagartixas e crocodilos e casas com mais de 5 estrelas , vamos dando espaço a que outras representações sociais aconteçam e que as minorias apareçam
raquel
Amigos do Freud
http://amigosdofreud.blogspot.com/2009/01/nas-ruas-do-brasil-crianas-invisveis.html
Auro Danny Lescher
Meninos do Brasil , Auro DAny Lescher
Revista URBS ANOX , N 41 – Viva O Centro - Junho – Julho 2006
http://www.vivaocentro.org.br/publicacoes/urbs/urbs41.htm#artigo1
"Posso falar de exclusão quando alguém decide sair, se retirar de um espaço de miséria para um espaço de possibilidade e de vida?."
ResponderExcluirNão é preciso dizer mais nada...